Alimentação e prazer na infância: O que aprendemos desde pequenos

Descubra como a relação entre alimentação e prazer na infância impacta a saúde e aprenda dicas para criar hábitos saudáveis desde cedo.

A evolução humana em relação à alimentação sempre foi marcada pela busca por comida e o esforço para se alimentar bem. Nosso organismo se adaptou a períodos de escassez, mas, com o acesso facilitado aos alimentos hoje, enfrentamos outro desafio: o excesso. O corpo humano ainda não se ajustou totalmente à abundância de opções, o que explica, em parte, o crescimento dos problemas de obesidade no mundo.

Desde a infância, criamos uma forte associação entre alimentação e prazer, especialmente no consumo de doces. Celebrações, como aniversários e reuniões familiares, reforçam essa relação, tornando a conexão emocional com o doce ainda mais complexa na adolescência e vida adulta. Mas como podemos ajudar nossos filhos a desenvolver uma relação saudável com os alimentos?

Alimentação e prazer: vai além do exemplo

Ensinar uma criança a se alimentar bem envolve muitos fatores e vai além do exemplo dos pais. Aqui estão algumas práticas importantes:

  • Familiaridade e convivência: Estar presente nas refeições em família gera segurança e um vínculo positivo com os alimentos. Incluir o bebê nas refeições, mesmo antes de começar a se alimentar, ajuda a construir essa conexão.
  • Seja o exemplo: O que e como os pais comem serve de referência para as crianças.
  • Associação emocional: Cada experiência alimentar deixa uma marca emocional na criança, seja positiva ou negativa. A forma como os adultos reagem quando ela consome certo alimento pode impactar sua relação futura com ele.
  • Área de recompensa do cérebro: O prazer gerado pela alimentação começa com alimentos naturais, como frutas, que contêm frutose. Mas, com a introdução dos ultraprocessados, a busca pelo prazer alimentar se intensificou. Esses alimentos foram projetados para ativar fortemente os circuitos de recompensa do cérebro, criando prazer de maneira intensa e artificial.

Alimentos hiperpalatáveis: um desafio crescente

Alimentos ultraprocessados e hiperpalatáveis exageram a sensação de prazer justamente porque são desenvolvidos para isso. Alguns deles elevam os níveis de dopamina – neurotransmissor ligado ao prazer – em até 100 vezes mais que alimentos naturais, criando um ciclo de desejo: quanto mais consumimos, mais precisamos para alcançar o mesmo nível de satisfação. O cérebro infantil, por não estar preparado para regular esses estímulos, depende dos pais para estabelecer limites.

A exposição a sinais sensoriais, como cheiros e embalagens chamativas, já ativa a liberação de dopamina, dificultando para a criança resistir. É responsabilidade dos pais orientar e ensinar essa regulação, incentivando uma relação saudável com a alimentação e o prazer.

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Introdução ao doce: quando e como?

As recomendações atuais orientam que o consumo de doces seja adiado até, pelo menos, os dois anos de idade. Mas, além da idade, a maneira como o doce é oferecido e o que se faz após a introdução são igualmente importantes. Oferecer doces diariamente pode comprometer a construção de uma alimentação saudável. Por outro lado, restringir em excesso também pode afetar a forma como a criança lidará com esse tipo de alimento no futuro.

Recusa alimentar é normal

A ansiedade dos pais ao verem uma criança recusar uma refeição é comum, mas é importante entender que pular uma refeição ocasionalmente é normal. Muitas crianças nem têm a oportunidade de sentir fome, pois estão expostas a alimentos constantemente. Quanto mais alimentos hiperpalatáveis são introduzidos, mais elas os buscam como fonte de prazer, evitando desconforto e buscando pertencimento.

A recusa alimentar, muitas vezes, está mais associada às consequências que a criança já prevê, do que aos estímulos oferecidos pelos pais para que coma. O desafio dos pais é transformar essa dinâmica, dando à criança a oportunidade de criar uma relação equilibrada com a alimentação. Lembre-se: a evolução no aprendizado alimentar da criança depende das oportunidades que ela recebe.

Dicas para pais e cuidadores

  • Coerência: Seja consistente no que fala e faz em relação à alimentação e ao prazer.
  • Tolere o desconforto: Lide com a recusa alimentar sem ceder à pressão de oferecer sempre o que a criança deseja.
  • Controle estímulos: Ambientes para crianças geralmente trazem muitos estímulos sensoriais. Em casa, tente minimizar esses estímulos e controle o que é oferecido – seja em termos de alimentos, atividades ou relacionamentos.
  • Prazer em outras atividades: Ajude a criança a encontrar prazer em atividades fora da alimentação, criando alternativas saudáveis e divertidas.
  • Estabeleça uma rotina: Rotinas claras ajudam a criança a entender que o comportamento dos cuidadores será o mesmo, independente de ela comer ou não.
  • Evite restrições rígidas: Ao apresentar algo novo, como um doce, evite restrições exageradas. Em vez de proibir o chocolate após o primeiro consumo, deixe claro como e quando ele será oferecido.

Criar uma relação saudável entre alimentação e prazer é um processo que exige paciência, consistência e afeto. Ao dar exemplo e proporcionar um ambiente de apoio, os pais ajudam as crianças a desenvolverem uma conexão equilibrada com a alimentação – um presente que durará por toda a vida.

Tem dificuldade de criar uma relação entre alimentação e prazer de forma saudável? Vamos conversar nos comentários!

Referência

LELLIS, Denise. Apetite hedônico e a interface com seletividade alimentar e excesso de peso na infância. Multiplicar Nutrição Infantil, [s.d.].

Imagem de capa: Canva

Giselle Gattai | Nutricionista

Sou Nutricionista com Especialização em Nutrição Clínica em Pediatria pelo Instituto da Criança - HCFMUSP. Me tornar mãe de duas meninas me transformou e hoje meu propósito é ajudar famílias a melhorarem a forma de se alimentar e a forma de conduzir a alimentação das crianças, contribuindo para a prevenção de doenças relacionadas à má alimentação. Acredito na Nutrição desde o início da vida, Nutrição que vai além dos alimentos que comemos, inclui a forma como comemos, onde nos alimentamos, com quem... Enfim, esse universo que envolve o comportamento alimentar.

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